Produção do Espaço e Valor
Armando Corrêa da Silva
Universidade de São Paulo
Neste texto considero o que se tornou a questão do
valor, desde o momento recente em que certas transformações no modo de produção
do capitalismo ultrapassaram a discussão objetivo e introduziram entre os
teóricos além da discussão subjetiva, a consideração do
valor na relação. Para isso, apoio-me em escritos anteriores publicados e
inéditos onde desenvolvo certas hipóteses – cuja demonstração resulta bastante
complexa – e que têm o intento de apenas sugerir certas diretivas para o
desenvolvimento de uma investigação mais consistente.
O assunto é de interesse para os geógrafos, quando,
há poucos anos, introduziu-se o tema da produção do espaço – o que por si
só demanda reflexões epistemológicas referentes ao objeto da Geografia.
Inicio minhas idéias fazendo um excurso a propósito do
que seria o valor em si.
* Texto reproduzido dos Anais do 5º CBG. Curitiba: Letra das Artes, 1994,
p.301-307.
Durante muito tempo esteve fora de dúvida, na polêmica
marxista a existência da objetividade do valor. Num sentido amplo, a Economia
Política do século XIX deixou isto claro desde os fisiocratas. Trata-se de um
período, mais ou menos longo, como se conhece, no qual se desenvolveu a
revolução burguesa e a burguesia, como classe, através de seus ideólogos não
tinha ainda receio de colocar esse ponto como fundamento dos vários discursos,
pelo menos desde o Iluminismo.
Em sua forma mais acabada deve-se mencionar Adam
Smith, Ricardo e Marx. Refiro-me a preocupação com a gênese da sociedade,
então, chamada moderna, no que se refere a origem da riqueza que, então
expressava-se nos efeitos da revolução industrial que se desenvolveu
aproximadamente de 1760 a 1830, e que atingiria seu apogeu com a evolução da
livre-concorrência (de origem no mercantilismo) até o momento do surgimento e
consolidação dos monopólios, já no fim do século e início do século XX.
A noção – rigorosamente demonstrada por Marx – da
existência da mais-valia, em suas formas absoluta e relativa, continua
orientando o pensamento dos diversos segmentos sociais interessados na questão
do trabalho.
O valor, no caso, É antes de tudo, um valor social que
é apropriado pela classe então dominante.
Estas considerações óbvias, por serem de conhecimento
corrente entre intelectuais, são feitas aqui para levantar um problema que tem
sido tratado “en passant” pelos teóricos: o da objetividade do valor no caso do
indivíduo, tomado isoladamente, no modo de produção capitalista e nas formações
econômico-sociais correspondentes.
Embora o marxismo se esforce por afirmar o caráter
social de toda a riqueza no referido
modo de produção, há que considerar a apropriação também em seu caráter
singular, dado o caráter de “modelo” apresentado
Tento aqui fornecer algumas indicações para explicar a discutida temática do papel do valor-de-uso. Como se sabe, o valor-de-uso é um pré-requisito da existência do valor-de-troca. Se levar-mos em conta toda a sociedade e não só as classes populares, verifica-se que a origem da riqueza se dá também fora da relação capitalista de produção, riqueza essa que, no século XIX ainda não se revelava claramente, em razão da inexistência ou, da existência incipiente da chamada, então, classe média, ridicularizada por Marx, mas que teria depois um crescimento constante, à medida que se formava o que veio a se chamar sociedade civil. Ou seja, para o sistema funcionar, foi necessária a “criação” de camadas médias como custo social necessário à plena constituição e efetivação das relações capital-trabalho. Como é sabido, isso repercutiria depois, no plano político, quando se pensa nas polêmicas da 1ª e 2ª Internacionais.
E uma primeira
aproximação à questão e um ponto a discutir.
A subjetividade do valor tem origem na vontade, nas
escolhas, nas preferências, nas determinações e indeterminações objetivas, em
características psicológicas e culturais dos indivíduos e das classes.
A questão remete à conhecida proposição da existência
de uma classe em si e uma classe para si. Então, para além de uma abordagem
economicista, e também para não utilizar-me de clichês, devo levar em
consideração uma certa autonomia no agir social e individual.
Isto se refere, desde logo, a dicotomia
necessidade/liberdade.
O valor subjetivo, referido à necessidade, tem por
base as determinações e indeterminações objetivas, que independem da vontade.
Isso é a origem do chamado "comportamento objetivo", ou seja, fruto
de relações alheias às pessoas. Não como nega-las, sem o que se atribuiria um
papel exagerado aos sujeitos sociais e individuais. E isso é uma coisa dada por
assentada no âmbito da ciência, particularmente o conhecimento sociológico e
psicológico.
O valor subjetivo, referido a liberdade, coloca, no
entanto, questões complexas. O que é ser livre, individual e socialmente?
O problema remete as instancias do direito e do poder.
Também ao âmbito da cultura e das artes.
Ser livre é, em principio, dominar ou sobre a
necessidade. Então, é preciso historicamente o papel do homem na sociedade,
amplamente estudado e reconhecido, e, com a divulgação das informações, o papel
do aumento social do conhecimento.
Gostaria, aqui, na continuação do argumento da seção
anterior, afirmar que ser livre é ter a si próprio como sujeito, o que se
defronta com a liberdade do outro, ou dos outros.
É outro ponto a discutir.
Todo o precedente apoia-se na proposição da existência
de uma filosofia do sujeito, diversa de uma filosofia do objeto.
Como se sabe, a Teoria do Conhecimento tem lidado com
esse problema, sendo conhecidas várias soluções propostas desde os tempos já
remotos
No pós-guerra, mas desde os fins da década dos 50,
começou-se a valorizar a filosofia do sujeito em detrimento da filosofia do
objeto, inclusive com incursões nas esferas religiosas, mágicas, míticas etc.,
e em apelos a concepções do mundo não Ocidentais.
Gostaria, então, agora, retomar a questão do valor.
Segundo penso, vivemos hoje (incluso na chamada
Pós-Modernidade) uma situação em que o valor subjetivo e o valor objetivo relacionam-se
de um modo novo e particular. Ele não está mais no sujeito e também não se
vislumbra mais no objeto, mas consubstancia-se na relação entre ambos. Lendo,
agora, Habermas, verifico que sua proposta do “agir comunicacional” –
amplamente desenvolvida em seu três volumes da Teoria da Ação Comunicativa – É
uma versão “de esquerda” da teoria da Ação e Relação Sociais de, Talcott
Parsons, uma versão “de direita” do mesmo problema.
Aparte à polêmica que isso gera, penso na importância
social e individual dessa “descoberta” : o valor na relação e, com isso, e a
relação que tem com a velocidade e, mais do que isso, está permanentemente In
fluxo!
Não sei se a solução, que já havia encontrado,
representa o desaparecimento da importância da Gnosiologia e, mesmo, seu
desaparecimento como esfera do conhecimento, em proveito de uma revitalização
da antiga Psicologia Social, quando é possível lidar com os sujeitos
psicológicos, cognoscente (individuais), coletivos e históricos (sociais).
A Geografia apenas está iniciando esta discussão. Por
exemplo, o conceito de psicoesfera de Milton Santos.
Todo o precedente insere-se na problemática da
modernidade, qual seja o ponto de referência: o Renascimento, Kant, a República
de Weimar ou outro.
Assim, o início deste excurso eu o situaria no âmbito
da modernidade, modernismo, moderno, modernização.
Nesse caso, o valor ganha uma dimensão subjetiva e
objetiva, porém de natureza clássica.
Eu situaria a “teoria da regulação”, que conheço na versão européia, como uma continuidade da consideração do valor tal como foi enunciado em sua teorização no século XIX, mesmo ai incluindo, por exemplo, Althusser.
Em primeiro lugar, se a pós-modernidade constitui uma
ruptura com a modernidade ou sua continuação modificada é uma coisa
Em segundo lugar, a discussão do valor, hoje posta,
resulta incompatível com a polêmica ortodoxa existente nas concepções de algo
absoluto versus algo relativo. Pelo menos há que se concordar com geógrafos
como Gotmann, físicos como Infeld ou intelectuais como Harvey a existência de
uma dimensão relacional, o que propõe interessantes problemas para uma
dialética do espaço.
No entanto, nada sabemos sobre a natureza da relação em si, o que seria importante, por exemplo, para definir analiticamente uma tipologia, pelo menos.
Estabelecidas essas premissas é possível tentar avançar alguma coisa sobre este tema tão importante agora para a Geografia.
Primeiramente, de que se trata: produção do espaço,
espaço produzido ou espaço a produzir? O que é ai geográfico?
Se formos levar em conta o que os geógrafos fazem, todos os três temas são decisivos para nosso conhecimento.
Mas, como fica o valor em cada caso?
Se tomarmos a Geografia como uma ciência do espaço, naturalmente se coloca a questão de sua produção. Então, segundo penso, a Natureza também “produz” espaço, como atividade. Quero dizer que a “primeira natureza” não desaparece com a “segunda natureza”, até porque ela é um substrato (físico/químico/biológico) da outra.
No âmbito social a questão é mais complicada. E que
corre-se o risco de um reducionismo que aumenta o conflito Geografia Humana
versus Geografia Física. Como redefinir uma Geografia Regional sem unir os dois
objetos – o que não é mais possível – ou considera-los como componentes de uma
mesma realidade ambiental, no campo e na cidade? Enfim, os “recursos
analíticos” que agora já existem devem fazer desaparecer nossa ciência ou
chegar a um novo conceito do geográfico, sem recorrer a Espaciologia?
Estes pressupostos são necessários para a discussão do
valor.
Se o lugar é “um complexo de relações de localização
determinadas e indeterminadas, subjetiva e objetivamente” como dar-se conta
aqui do valor relacional?
É válido tornar a categoria território como o
fundamento de todo discurso geográfico? E a região? E a área? E o espaço? E a
população?
A produção do espaço, que coloca o homem como ator
privilegiado, não esconde uma filosofia do sujeito?
É outro ponto a discutir.
A ideologia do trabalho, pressuposta na seção anterior
deve ser o ponto de apoio epistemológico?
A pergunta supõe considerar que o espaço produzido
contém valor e, por isso, seu estudo pode até ser tomado como uma preliminar.
Por que?
Porque o espaço produzido é resultado e ponto de
partida: a “Paisagem”.
No entanto, não caímos aqui numa filosofia do objeto?
Eis outra questão a discutir.
Esta proposição coloca outra problemática, ou seja,
como a Geografia deve tratar do futuro, se o valor está na relação e não no
sujeito ou no objeto?
Quero dizer que o estudo da aparência, do ser e da forma
deve completar-se com o levar em conta o vir-a-ser. E, com isto, a dialética
ou, como prefiro dizer, o pensamento relacional.
Isto não é impossível, pois o presente (a conjuntura)
nossa preocupação, contém o passado e o futuro.
Então, não posso deixar de valorizar o conceito de
situação de Pierre George, acrescentando a ele os problemas atuais da informática, percepção do espaço,
globalização, etc..
Vivemos (nossa
gerações mais esclarecidas) um momento singular: é preciso ter
consciência de que as geografias que nasceram contestatorias no final da década
dos 60 estão hoje no poder. Isto implica numa pergunta crucial: o que é hoje
ser vanguarda em nossa disciplina?
Não tenho resposta.
No momento estou mais preocupado com os aspectos culturais da vida (modernidade e pós-modernidade) do que com os fundamentos do existir econômico, social, político e natural
O modo de expressão dessa preocupação é o que denomino
de “uma ideologia do cotidiano” do qual a Geografia talvez seja apenas uma
subtotalidade.
Production of the Space and Value
In this text I
consider what he became the subject of the value, since the recent moment in
that certain transformations in the way of production of the capitalism
surpassed the discussion objective and they introduced among the theoretical
ones besides the subjective discussion, the consideration of the value in the
relationship. For that, I lean on in written previous published and unpublished
where I develop certain hypotheses–whose demonstration results quite
complex–and that have the project of just to suggest right directing for the
development of a more consistent investigation.
The subject is of
interest for the geographers, when, there are few years, the theme of the production
of the space was introduced–what by itself demands reflections referring
epistemologys to the object of the Geography.
I begin my ideas
making an concerning what it would be the value in itself.
1.
BERMAN, M. (1987) Tudo o que e Sólido Desmancha no Ar.
Companhia das Letras, São Paulo.
2.
CONNOR, S. (1992) Cultura pós-moderna. Ed. Loyola, São
Paulo.
3.
GOLDMANN, L. (1972) A Criação Cultural na Sociedade
Moderna. DIFEL, São Paulo.
4.
HABERMAS, J. (1990) O Discurso Filosófico da
Modernidade, Publicações Dom Quixote, Lisboa.
5.
HARVEY, O. (1992) A
Condição pós-moderna. Ed. Loyola, São Paulo.
6.
LYOTARD, J.F (1989) A Condição pós-moderna, Gradiva,
Lisboa.
7.
MARX, K. (1978)
O Capital. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro.
8.
SILVA, A. C. da (1994) A Renovação Geográfica no
Brasil e Outros Escritos (no prelo).
9.
SILVA, A. C. da (1988) A Aparência, o Ser e a Forma.
Inédito, fotocopiado, São Paulo.
10. VILLALOBOS, A., VIOLA, E., GUILHON-ALBUQUERQUE, J. A.
., KOWARICK, L., ORLANDI, (1978) Classes Sociais e Trabalho Produtivo, CEDEC/
Paz e Terra, Rio de Janeiro.
* Texto apresentado durante o 5º CBG em Curitiba-PR, em 17 de julho de 1994.