Análise Territorial: Crise e Projeto Nacional

 

 

 

“A sociedade humana é o produto da ação do homem sobre as outras forças da natureza.

Em outras palavras: a sociedade é a natureza transformada pelo trabalho do homem”.

Paulo Freire

 

 

 

Zeno Soares Crocetti*

Aluno do programa de doutorado em geografia na UFSC

crocetti@uol.com.br

 

 

Introdução

“Não é preciso uma longa regressão no tempo para encontrar a origem das nossas dificuldades atuais”. O século XIX produziu dois eventos extraordinários: a Idade da Máquina – um desenvolvimento tecnológico de amplitude milenarista –; e uma Democracia Burguesa Capitalista, que foi uma resposta inicial a organização e acumulação econômica àquele desenvolvimento.

A Democracia Burguesa Capitalista talvez fosse a única forma de organização possível que pudesse garantir o uso do caríssimo equipamento exigido para realizar o milagre tecnológico do século XIX, fruto do mecanismo da acumulação capitalista. Em tais circunstâncias, era preciso organizar mercados para todas as coisas, de forma a assegurar o fluxo de matérias-primas e de produtos acabados. Eram necessários não apenas esses mercados. A própria terra e o trabalho tinham também de ser organizados como mercadorias para assegurar a continuidade e a mobilidade de sua oferta. Assim, o homem e o seu meio ambiente foram, inevitavelmente, submetidos às mesmas leis dos mercados que governavam as mercadorias. O resultado final deste processo foi um sistema auto-regulado de mercados que modificou a sociedade ocidental na primeira metade do século 19. As conseqüências para a imagem que o homem faz de si mesmo e da sociedade em que se insere foram fatais. A própria forma de seu viver foi organizada em torno de um complexo conjunto de mercados, baseado na procura do lucro e determinado por atitudes competitivas, e em ciclos de acumulação cada vez menores. A sociedade humana tornou-se um organismo e o funcionamento da economia – o jogo das forças da oferta e da procura – moldou e controlou o processo de interação social. Esse quadro constitucional reduziu todo o pensamento dos homens e seus valores à economia.

 

Qual a natureza da crise brasileira?

Essa questão está na mente de todas as pessoas, agora porque a situação geral está chegando a um limite de difícil diagnóstico embora se saiba que, no conjunto, a sociedade quer avançar, mas sem abrir mão das conquistas adquiridas que se apóiam no direito e na justiça.

Os problemas são conhecidos, as soluções também. Por que então marcamos passo a mais de 20 anos?

A crise do modelo neoliberal está se tornando, principalmente, uma crise de confiança, uma desconfiança que quebra a sociabilidade a ponto de se desconfiar do próximo sem razões objetivas.

O próprio jeito brasileiro de fazer e de pensar está mudando. O que significa isso? Parece que algo, ao nível da cultura, está se alterando.

Ora, o problema cultural envolve a crença em valores que, se destruídos, provocam situações de sensação de ausência de leis, de normas ou de regras de organização e, com essas, de desesperança em si mesmo.

Uma sociedade é formada de indivíduos que se relacionam em função de certos padrões civilizatórios aceitos por todos. A Constituição deve conter as diretrizes gerais que, num processo democrático, norteiam as atividades, as aspirações, às crenças, os hábitos e até os sonhos, individuais ou coletivos.

Vivemos um momento em que as regras do jogo estão postas e em processo definido pela Carta Magna. Cabe, pois, avançar em direção ao futuro, sem medo, através da criação de uma sociedade estável, mais permeável às mudanças, que todos desejam, em busca de um projeto nacional, aos moldes dos anos de 1930, planejado, pensado, para todos os brasileiros, não só para uma elite predatória.

Entender como o território mundial e brasileiro é usado, como é configurado, como são feitas as conexões territoriais, quem a controla, como o fazem e com que objetivo é um desafio grandioso e sedutor, que não se tem a pretensão de esgotar neste texto.

 

Problematização

Uma das principais características do capitalismo, que o diferencia dos outros modos de produção, é a reprodução (acumulação) de capital. Nas sociedades escravistas ou feudais, o explorador consumia a massa de produto excedente abocanhado dos produtores diretos. A produção é ainda dominada pelo valor de uso: seu objetivo é o consumo.

Isso muda de vez com o modo de produção capitalista, onde a produção prevalece. A maior parte da mais-valia extorquida dos trabalhadores não é consumida. Ao invés disso, é investida na produção, isso garante a reprodução do capital. É este processo, através do qual a mais-valia é reinvestida constantemente na produção, que Marx chamou de "acumulação de capital".

Em uma famosa passagem no volume 1 de O Capital, Marx mostrou como isto ocorria, na classe capitalista, trata de uma ideologia da "abstinência", na qual a burguesia é encorajada a negar mesmo o seu próprio consumo, e poupar mais-valia tanto quanto possível para ser reinvestida:

 

·         "Acumulai, acumulai! Isso é Moisés e os profetas!”

·         "A indústria fornece o material que a poupança acumula." [diz Adam Smith]

 

“Portanto, poupar, poupar, isto é, retransformar a maior parte possível da mais-valia em mais-produto, e mais-produto em capital! A acumulação pela acumulação, produção pela produção, nessa fórmula a Economia Neoclássica expressou a vocação histórica do período burguês." (Marx ,O capital, Vol. 1, p. 165-6)

Mas, dizia Marx, o motivo para isso não é a cobiça (embora como indivíduo o capitalista deva ser bem ambicioso). Nós não precisamos procurar por alguma propensão natural à ambição na natureza humana. O próprio sistema proporciona essa motivação para os capitalistas:

 

"(...) na medida em que ele é capital personificado (...) não é o valor de uso a satisfação, mas o valor de troca e sua multiplicação o móvel de sua ação. (...) Como tal ele partilha com o antecessor o instinto absoluto do enriquecimento. O que neste, porém, aparece como mania individual, é no capitalista efeito do mecanismo social, do qual ele é apenas uma engrenagem." (Marx ,O capital, Vol. 1, p.163)

 

Esse "mecanismo social" é a concorrência entre "muitos capitais". Nós vimos que Marx acreditava que "influência de capitais individuais sobre outros têm precisamente como efeito que eles devem conduzir-se como capital". Isto é especialmente verdadeiro na acumulação. Um capitalista que não reinvista na mais-valia logo acabará superado pelos seus concorrentes que investem em métodos aperfeiçoados de produção e que são, portanto capazes de produzir com custo mais barato e podem obrigar ao concorrente o rebaixamento dos preços de seus produtos. Um capitalista que falha em acumular logo se verá em direção à bancarrota.

O processo de acumulação, justamente porque é inseparável da concorrência entre capitais não é nada tranqüilo ou uniforme. Marx argumentava que o processo de acumulação é também a reprodução das relações capitalistas de produção. O que ele queria dizer é que a sociedade não pode seguir existindo a menos que a produção seja constantemente renovada, e isso depende dos capitalistas reinvestirem o valor realizado no mercado e na produção.

Marx distingue duas formas de reprodução. A reprodução simples ocorre quando a produção é renovada ao mesmo nível anterior – e a economia fica estagnada ao invés de crescer. A reprodução ampliada, contudo, implica na utilização do mais-produto para aumentar a produção. Este último caso é a norma no capitalismo.

Mas se essas proporções entre os diferentes setores da economia são realmente alcançadas é uma questão, em grande parte, acidental. Os capitalistas produzem, não para si, mas para o mercado. Não há qualquer garantia de que o que foi produzido será consumido. Se isso acontece ou não depende da existência de uma efetiva demanda para a mercadoria. Ou seja, não só deve ter alguém que queira comprá-la, mas esse alguém deve possuir dinheiro para comprá-la. Quando essa demanda não existe. O resultado é uma crise econômica.

Por exemplo, digamos que capitalistas do Grupo I (meios de produção) cortem os salários de seus trabalhadores para aumentar a taxa de mais-valia. Esses trabalhadores então irão comprar menos produtos no Grupo II (bens de consumo). Os capitalistas do Grupo II podem reagir a esse declínio nas vendas através de cortes nos custos, investimentos em novos equipamentos ou instalações. Os capitalistas do Grupo I, atingidos por essa queda na demanda para seus produtos, podem demitir trabalhadores, o que, em contrapartida, levará os capitalistas do Grupo II a fazerem o mesmo ..., entrando num ciclo vicioso de recessão.

O mecanismo desse processo, só foi realmente entendido pelos economistas do centro do Sistema Capitalista após a crise de 1929, com a publicação em 1936 do livro de Keynes A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, processo analisado por Marx no vol. 2 de O Capital setenta anos antes. E também através dos estudos de Kondratiev e Schumpeter, que iremos analisar a seguir.

A possibilidade de crises econômicas é inerente à natureza do sistema Capitalista, pois ele se alimenta das crises, para mais tarde renascer mais forte! Relembrando que a circulação simples de mercadorias toma a forma M-D-M. Uma mercadoria é vendida, e o dinheiro é usado para comprar outra mercadoria. Mas não há razão para que uma venda deva ser seguida necessariamente por uma outra compra. Tendo vendido a mercadoria o vendedor pode decidir guardar o dinheiro recebido. Existem freqüentes condições nas quais capitalistas decidem fazer precisamente isso, porque a taxa de lucro é baixa demais para valer a pena um investimento.

A fonte das crises é, portanto, em última instância o caráter não planejado da produção capitalista, onde "um balanço é ele mesmo um acidente devido à natureza espontânea de sua produção", como afirmou Marx. Entretanto, isso apenas mostra que as crises são possíveis. Para entender porque elas acontecem de fato temos que adentrar mais na natureza do processo de acumulação.

A explicação de Marx às crises econômicas está baseada no que ele chamou de tendência à queda da taxa de lucro, "em todos os aspectos a mais importante lei da moderna economia política, e a mais essencial para entender as mais difíceis relações", escreveu Marx.

A taxa de lucro tem uma tendência geral à queda sob o capitalismo, afirmava Marx. Não apenas em áreas específicas da economia, nem apenas em períodos particulares, mas em geral, e a razão disso, segundo ele, é o contínuo crescimento da produtividade do trabalho. Para usar suas próprias palavras: "A tendência progressiva à queda da taxa de lucro é apenas uma expressão, peculiar ao modo de produção capitalista, do desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho." (O Capital, volume 3).

Quanto mais alta é a produtividade do trabalho, maior é a quantidade de máquinas e matérias-primas sob a responsabilidade de um trabalhador individual. Em outras palavras, a quantidade de capital constante investido no prédio, equipamentos e matérias-primas crescem em relação ao capital variável usado para pagar os salários dos trabalhadores. Em termos de valor, isso significa que a composição orgânica do capital é mais elevada. E nós já vimos que pelo fato de a força de trabalho ser a fonte de mais-valia, quanto mais elevada à composição orgânica de capital, menor a taxa de lucro. Assim, enquanto a produtividade do trabalho aumenta, a taxa de lucro cai.

Mas se é assim, então porque os capitalistas buscam sempre uma maior produtividade? A resposta é que, a curto prazo, eles se beneficiam do processo de produtividade, e a longo prazo eles são forçados a agir assim pela concorrência.

O preço unitário de uma mercadoria, o trabalho real corporificado nela, pode diferir do valor de mercado, o qual é determinado pelas condições médias de produção naquela indústria. Agora tomemos o caso de um capitalista individual que utiliza essas condições médias de produção. Suponhamos que ele introduza uma nova inovação tecnológica, o que aumente a produtividade de seus trabalhadores acima da média. O preço unitário de suas mercadorias ficará abaixo do valor social ou de mercado, porque elas foram produzidas mais eficientemente do que seus concorrentes naquele setor. O capitalista pode agora fixar os seus preços a um nível mais baixo do que o valor social, obrigando os rivais a baixarem os seus preços, mais ainda num valor mais alto que o seu preço de custo inicial, realizando assim um lucro extra.

Mas essa situação não permanecerá indefinidamente. Outros capitalistas adotarão a nova técnica tentando impedir a perda do mercado. Uma vez que essa inovação se torne a norma na indústria, o valor social de seus produtos cairá para emparelhar o preço unitário das mercadorias, acabando com a vantagem do capitalista inovador.

Através da pressão da concorrência os capitalistas, portanto, são obrigados a adotar novas tecnologias e proceder inovações para aumentar a produtividade do trabalho. "A lei da determinação do valor pelo tempo de trabalho" atua assim "como lei coercitiva da concorrência", escreveu Marx. (Capital volume 1) Para o capitalista individual, a "determinação do valor como tal (...) interessa-lhe somente na medida em que ela aumenta ou abaixa o custo de produção das suas mercadorias, portanto somente na medida em que ela torna a sua posição excepcional". (Capital volume 3) Cada capitalista está preocupado em aumentar a produtividade do trabalho somente como um meio de superar seus concorrentes. O efeito é forçar todos os "muitos capitalistas" a se conformarem à lei do valor, e a aumentarem constantemente a produtividade do trabalho.

Entretanto, o resultado de todas essas ações dos capitalistas visando aumentar a quantidade de mais-valia e superar seus concorrentes acaba trazendo para baixo a taxa geral de lucro:

 

"Nenhum capitalista jamais introduz voluntariamente um novo método de produção, não importa o quão produtivo ele possa ser e o quanto ele possa aumentar a taxa de mais-valia, supondo que ele reduz a taxa de lucro. Contudo cada novo método de produção barateia as mercadorias. Portanto o capitalista vende-as originalmente por um valor maior que os seus preços de produção, ou, talvez, acima do seu valor. Ele embolsa a diferença entre seus custos de produção e os preços de mercado das mesmas mercadorias produzidas com custos de produção mais elevados. Ele pode fazer isso, (...) porque seu método de produção está acima da média social. Mas a concorrência torna-o geral e sujeito à lei geral. Segue-se uma queda na taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera de produção, e finalmente atinge um equilíbrio com o resto - o qual ocorre portanto totalmente independente da vontade do capitalista." (Capital volume 3)

 

Essa tendência à queda da taxa de lucro é um reflexo do fato de que "além de um certo ponto, o desenvolvimento das forças de produção se torna uma barreira para o capital; e daí a relação-capital uma barreira para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho".

A maior produtividade do trabalho, o que reflete o crescente poder da humanidade sobre a natureza, toma a forma, no interior das relações de produção capitalistas, de uma crescente composição orgânica de capital, e então, de uma taxa de lucro decrescente. É este processo o combustível das crises econômicas. "A crescente incompatibilidade entre o desenvolvimento produtivo da sociedade e as relações de produção existentes até então se expressa em contradições mais amargas, crises, espasmos".

A taxa decrescente de lucro é, contudo, somente o ponto de partida da análise de Marx das crises capitalistas. Ele sublinha que existem "influências contrariantes em funcionamento, que cruzam e anulam o efeito da lei geral e que lhe dá meramente a característica de uma tendência", "uma lei cuja ação absoluta é controlada, retardada, debilitada". (Capital volume 3)

De fato, "as mesmas influências que produzem uma tendência à queda da taxa de lucro, também fazem surgir os contra-efeitos que dificultam, retardam e paralisam parcialmente essa queda". (Capital volume 3)

Por exemplo, a crescente composição orgânica de capital significa que um número menor de trabalhadores pode produzir certa quantidade de mercadorias. O capitalista pode muito bem reagir com a demissão dos trabalhadores excedentes - isso pode ter sido mesmo o seu objetivo ao introduzir a inovação tecnológica na produção. O resultado é que a acumulação de capital implica na constante expulsão de trabalhadores da produção. Está criada o que Marx chamou de "superpopulação relativa". Não é, como Malthus e seus seguidores afirmaram, que existia mais população do que alimentos para mantê-los vivos. Ao invés disso, existem mais pessoas do que o capitalismo necessita, e então esse excedente é privado de salários de que os trabalhadores dependem para a sua existência.

Consequentemente a economia capitalista gera um "exército industrial de reserva" de trabalhadores desempregados, o que cumpre um papel crucial no processo de acumulação. Os desempregados não proporcionam somente uma reserva de trabalhadores que podem ser lançados a novos ramos ou células de produção. Eles também ajudam a impedir que os salários aumentem demais.

A força de trabalho, como qualquer mercadoria, tem um valor – o tempo de trabalho envolvido em sua produção, tem um preço – a quantidade de dinheiro pago por ela. O preço da força de trabalho é o salário, e como todos os preços de mercado os salários flutuam em resposta aos aumentos e quedas na oferta e na demanda de força de trabalho. A existência do exército industrial de reserva mantém a oferta da força de trabalho o suficiente para impedir que o preço da força de trabalho aumente acima do seu valor. Escreveu Marx: "Os movimentos gerais dos salários são exclusivamente regulados pela expansão e contração do exército industrial de reserva". (Capital volume 1)

Isso não quer dizer que Marx acreditava na "lei de ferro dos salários", de acordo com a qual os salários não podem aumentar acima do mínimo fisicamente necessário para a subsistência. Como ele demonstrou na Crítica do Programa de Gotha, essa pretensa "lei" é baseada na teoria populacional de Malthus, e é portanto totalmente falsa. O capitalismo como afirmamos, envolve constantes aumentos na produtividade do trabalho. Isso leva a uma constante redução no valor das mercadorias incluindo a força de trabalho. O valor decrescente de bens de consumo significa que o poder de compra dos salários dos trabalhadores pode permanecer o mesmo ou até aumentar, embora o valor da força de trabalho tenha caído. Assim, em termos absolutos, as condições de vida dos trabalhadores podem melhorar. Em termos relativos porém, a sua posição tem se deteriorado, porque a taxa de mais-valia aumentou, e assim a sua parte do valor total criado por eles caiu.

A existência de um exército industrial de reserva fortalece a posição do grande capital, e torna-lhe mais fácil aumentar a taxa de mais-valia. Se a quantidade total de capital permanece a mesma, então a taxa de lucro aumentará. Assim, uma maior intensidade de exploração é uma influência contraria a queda na taxa de lucro.

Contudo, aumentar a taxa de exploração é uma faca de dois gumes. Se isso é conseguido através do aumento da produtividade do trabalho, então crescerá a composição orgânica do capital, e uma taxa de mais-valia mais elevada significará neste caso uma taxa de lucro mais baixa. Marx acreditava que tal situação era típica da tendência da taxa de lucro. Ele rejeitava qualquer tentativa de explicar as crises econômicas a partir dos aumentos salariais conquistados pelos trabalhadores:

"A tendência à queda da taxa de lucro está estritamente ligada a uma tendência ao aumento da taxa de mais-valia (...) Nada é mais absurdo, por essa razão, do que explicar a queda da taxa de lucro por um aumento da taxa de salários, embora isso possa ser o caso de alguma exceção (...) A taxa de lucro não cai porque o trabalho se torna menos produtivo, mas porque se torna mais produtivo. Tanto o aumento na taxa de mais-valia como a queda na taxa de lucro não são senão forma específica através das quais a crescente produtividade do trabalho é expressa no capitalismo." (Capital, volume 3)

 

O mesmo é verdadeiro, argumentou Marx para uma outra contra tendência, o barateamento dos elementos do capital constante. Uma produtividade crescente no Grupo I, a produção dos meios de produção, significa que o valor do edifício, máquinas e dos elementos que formam o capital constante, cai:

 

"Com o crescimento na proporção do capital constante ao capital variável, cresce também a produtividade do trabalho, as forças produtivas trazidas à existência, com as quais o trabalho social opera. Todavia, como resultado dessa crescente produtividade do trabalho, uma parte do capital constante existente é continuamente depreciada em valor, pois seu valor depende, não do tempo de trabalho que ela custou originalmente, mas do tempo de trabalho com o qual pode ser reproduzida, e este está continuamente diminuindo tanto quanto cresce a produtividade do trabalho."

(Capital, volume 1)

 

Muitos críticos de Marx (muitos deles marxistas) têm argumentado que o fato da crescente produtividade do trabalho baratear os elementos do capital constante significa que a composição orgânica não aumenta e, por isso a taxa de lucro não cai. Mesmo se a composição técnica do capital, em outras palavras a razão física entre meios de produção e força de trabalho, cresce enormemente, argumentam eles, em termos de valor essa relação permanece a mesma porque caiu o custo para produzir os meios de produção. O que eles ignoram é que o que importa para o Grande Capital é o retorno que ele faz sobre seu investimento inicial. O dinheiro que ele gastou com a fábrica, equipamentos, etc. terá sido para comprar esses meios de produção nos seus valores originais, e não o tempo de trabalho que agora custaria para substituí-los. Ele deve conseguir um lucro adequado sobre esse investimento, e não sobre o que poderia custar-lhe agora.

 

A natureza das crises

Realmente, principalmente é através das crises que o valor do capital constante é recuperado, não ao "tempo de trabalho que ele custou inicialmente" mas com "o tempo de trabalho com o qual ele possa ser reproduzido". Crises econômicas podem ser precipitadas por uma variedade de fatores. Por exemplo, uma crise pode surgir devido a um súbito aumento no preço de algumas matérias-primas importantes – como a que ocorreu com o aumento do preço do petróleo em 1973-74 e 78-79. Frequentemente crises começam a partir de algum transtorno do sistema financeiro – por exemplo, a falência de um grande banco ou uma grande empresa, ou um crash na bolsa de valores. Uma parte significativa do volume 3 de O Capital, é dedicada a explicação de como o desenvolvimento do sistema de crédito, é responsável por injetar,mais e mais dinheiro no sistema, foi criado pelos próprios bancos, para cumprir um papel vital, tanto para impedir como para causar crises. Todavia, as causas são muitas vezes subjacentes às crises, e tem sempre uma tendência à queda da taxa de lucro, e as contra tendências que ela traz, leva um aumento da taxa de lucro por outro lado.

Assim, as crises são períodos em que o sistema capitalista é reorganizado e reformulado para restaurar a taxa de lucro a um nível no qual ocorrerão investimentos. Nem todos os capitalistas se beneficiam igualmente deste processo. As empresas mais frágeis e menos eficientes e com uma tecnologia muito ultrapassada poderão ser levadas à falência. Os capitalistas mais fortes e mais eficientes sobreviverão, e emergirão da recessão mais forte. Eles são capazes de comprar terras, imóveis e instrumentos de produção a melhores preços, e a forçar modificações trabalhistas no processo de trabalho que aumentarão a taxa de mais-valia.

As crises, portanto, contribuem para o processo que Marx denominou centralização e concentração de capital. Para Marx a concentração ocorre quando capitais crescem em tamanho através da acumulação de mais-valia. A centralização, por outro lado, é resultado da absorção de capitais menores por capitais maiores. O próprio processo de concorrência favorece essa tendência, porque as empresas mais eficientes são capazes de ultrapassar os seus concorrentes e depois tomá-los. Mas as recessões econômicas aceleram o processo possibilitando aos capitais sobreviventes comprarem meios de produção baratos. Um aumento constante no tamanho de capitais individuais, portanto é uma parte inevitável do processo de acumulação "é o curso de vida característico da indústria moderna", segundo Marx, toma a forma de um ciclo, "interrompido por oscilações menores, de vitalidade média, produção a todo vapor, crise e estagnação" (Capital volume 1, p. 192). A alternância de crescimento e recessão é uma característica essencial da economia capitalista. Como afirmou Trotsky, "o capitalismo vive de crises e boom, assim como os seres humanos vivem de inspiração e expiração (...) As crises e boom são inerentes ao capitalismo desde o seu nascimento e o acompanharão até o seu túmulo."

A análise da maneira como as crises surgem no interior do processo de acumulação de capital, a qual Marx desenvolve em O Capital, é conduzida a um nível de abstração bastante elevado. Ela precisa ser elaborada, como nós veremos no próximo capítulo, a partir de uma abordagem de Rangel, Mamigonian e Kondratiev, com o desenvolvimento posterior do sistema, a centralização e a concentração de capital torna mais difícil para as crises cumprirem o seu papel de restaurar as condições de acumulação lucrativa. Todavia, O Capital nós fornece a base fundamental para qualquer tentativa de entender a economia capitalista.

 

As Crises

Segundo as análises feitas pelo professor Rangel, nos seus vários textos, e pelo nosso companheiro de Geografia professor Armen, são eles uma fonte de inspirações, eles sempre tentaram nos alertar, iluminar com suas interpretações e idéias, sobre o mecanismo das Crises Gerais do Capitalismo.

Em suas análises, se utilizavam, e o professor Armen ainda continua utilizando, o estudo original de Nicolau Kondratiev, os Ciclos Econômicos.

 

Esses estudos derivam de outros tais como, análises feitas a partir da Revolução Industrial dos fins do século XVIII, que inaugurou os ritmos industriais de várias durações, principalmente os ciclos decenais (juglarianos) e os ciclos longos, de cinqüenta anos (Kondratieff), cada ciclo com fase expansiva (“a”) a fase depressiva (“b”). Marx e Engels constataram os ciclos decenais entre 1848 e 1857, que foram sistematizados estatisticamente por Juglar em 1860. Engels assinalou também a chamada “longa depressão do final do século XIX” e a sistematização estatística dos ciclos longos foi feita entre 1918-21 por N. Kondratieff (1926).

MAMIGONIAN, Armen. Ciclos Econômicos e Organização do Espaço.

 

Nos anos 20 do século XX abriram-se com uma prolongada recessão – a qual foi assumida como Grande Depressão Mundial, que ocuparia o qüinqüênio 1929-34. Essa recessão, nas ondas da I Grande Guerra, trouxe consigo um fenômeno que passou a história com o nome de Crise Geral do Capitalismo .

Não era difícil interpretar essa Crise Geral como um movimento sem retorno, preparatório da transição do capitalismo para o socialismo, posto este último na ordem do dia pela Grande Revolução Russa, a qual, precisamente nas condições da Grande Depressão Mundial, lançaria vitoriosamente o I Plano Qüinqüenal.

Nicolau Kondratiev presidiu a equipe da reestruturação da economia soviética – nas condições da Grande Depressão Mundial, sem negar a recessão o caráter de crise geral do capitalismo, seus estudos previam ciclos de crises do capitalismo, e marcava para esta um prazo que se cumpriria muito fielmente, ou seja, a Crise Geral do Capitalismo seria cíclica, os chamados ciclos longos, de cinqüenta anos aproximadamente (Kondratieff), cada ciclo com fase expansiva (“a”) a fase depressiva (“b”). A fase "b" do Ciclo Longo – o qual passou para história com o nome de Ciclo de Kondratiev – iniciado como vimos nos anos finais do Século XIX.

Assim sendo, concluída essa fase "b", a economia mundial tanto por sua componente capitalista "de mercado", como pela nova economia socialista ou "planificada", a recessão cederia o passo a uma sustentada "retomada". Estavam claro que se passando outros 25 anos, iniciaria nova face "b", isto é, nova recessão mundial em outros 25 anos, isto é, de 1973 a 1998.

Não foram só a União Soviética, os paises socialistas do Leste Europeu e outros que vieram depois, eles não foram os únicos a se proteger e fugir da Grande Recessão correspondente a face "b" do 3° Kondratiev. Com alguns anos de atraso, outro grande país – que nada tinha de socialista – escaparia as garras da crise. O Brasil, o qual, com um planejamento incipiente, também se livrou dessa crise Recessiva, no que, mais tarde, foi descrito pelos gênios da economia de "industrialização substitutiva de importações".

Ora, o que havia de comum entre esses países, não era o seu "regime", mas a fato de que, cada qual ao seu modo e em medida diferente, encontrara maneiras de se proteger, pelo planejamento econômico, a certa medida da "anarquia da produção". Nunca cometemos no Brasil, equívocos dos primeiros planejadores soviéticos, de se consideravam imunes a Crise da Produção Capitalista – isto é, do que hoje estudamos coma ciclos "longos" e "curtos" da Economia Mundial.

Os ciclos curtos – também apelidados de Juglar/Marx ou, na classificação de J. Schumpeter, de ciclos médios – tem uma duração variável, aceita de 7 a 11 anos. Mas a de notar que nossos ciclos curtos, companheiros de nossa industrialização substitutiva de importações, cobrem lapsos muito regulares, de dez anos: entre os anos finais de cada decênio, e do subseqüente, segundo estudos de Rangel.

 

Provavelmente, a experiência brasileira foi aproveitada por outros países subdesenvolvidos em seus planejamentos, a começar pela Índia e pela China. Mas não foi o caso soviético, cujos planejadores, se acharam acima do bem e do mal, e que haviam efetivamente dominado as flutuações juglerianas, imaginaram que também haviam dominado os ciclos longos ou de Kondratiev.

Foi esse excesso de confiança que levaram a ex-URSS a cometer esse equivoco, se, em vez de romperem com Nicolau Kondratiev, e mandarem para a morte (Sibéria, em 1930), – tivessem procurado tirar, mais cuidadosamente, proveitos dos seus geniais teoremas.

À primeira vista, os ciclos - e não apenas os ciclos breves – haviam ficado para trás, junto com o próprio capitalismo. Noutros termos, o planejador soviético encheu-se de vaidade, e passou a nutrir a ilusão:

 

·            de que a economia socialista estava a salvo dos ciclos, inclusive do longo e,

·            que a crise geral em que havia mergulhado a economia capitalista era um movimento sem retorno.

RANGEL, Ignácio. As Crises Gerais.

 

Causaria espanto se não houvéssemos aprendido nada com a Crise Geral do Capitalismo, anterior nos gráficos da fase "b" do 3º Kondratiev, quando os dois paises - Brasil e Ex-URSS escaparam à recessão geral. Agora, são os grandes países asiáticos – Índia e China – entre outros, que repete, nas condições da fase "b" do 4º Ciclo Longo (1973 a 1998), o nosso desempenho durante a "Crise Geral" anterior. Essas coisas não acontecem por acaso, deve ser óbvio.

No entanto a Rússia e os países da Europa Oriental, que ingressaram na recessão no início dos anos 90 – como qualquer país capitalista – foi interpretado por Gorbatchov, leltsin e outros governantes do socialismo, como manifestação de uma estagnação, resultantes de "erros" dos seus planejadores. E o Brasil, que vem combalido desde segunda crise do petróleo por volta de 1978-79, e não consegue resolver sua crise de desenvolvimento e crescimento, talvez porque no lugar de enfrentá-la, vem administrando, passa ano, vem ano, e gente continua na mesma, crescimento pífio, desemprego e aumento da violência.

 

Ora, se erro houve, ele deve ser buscado no equívoco indicado sobre a natureza das crises gerais – a anterior, ligada ao 3º Kondratiev, e do início dos anos 90, ligada ao 4º – fato que esses senhores não viram, nem de passagem. Na verdade, foi tão errôneo interpretar a fase "b" do 3º Kondratiev como uma "Crise Geral do Capitalismo", corno seria errôneo interpretar a fase "b" do 4º Ciclo Longo como sinal de uma "Crise Geral do Socialismo" – isto é, num e noutro casos, como movimentos sem retorno. Mas é fundamental, do lado de lá, como do lado de cá um gênio singular, como J. Schumpeter, para perceber o caráter transitório da "outra" Crise Geral. Um novo Schumpeter esta fazendo falta ao mundo atual.

RANGEL, Ignácio. As Crises Gerais.

 

Perspectivas e Oportunidades

Diante desse quadro, a Europa se organizou e lançou a União Européia em 1992, firmada no tratado em Maastricht, que entrou em vigor em 1993. Os EUA chamaram sua periferia para reunião na capital do Império, Washington, enquanto John Williamson demonstrava seu consenso, os estadunidenses articulavam a liberação dos mercados através da criação da OMC, também em 1993, além de se precaver contra percalços, lançava o seu NAFTA, também articulado no fatídico 1993. Com o fim da Guerra Fria, os EUA passam a ter o controle hegemônico na Economia Mundial, além dos aparelhos de controle da mídia global, foi muito fácil à difusão de suas idéias globalitárias através do controle e manipulação absoluta dos organismos supranacionais, como a ONU. Sem adversários e inimigos, os Estados Unidos se viram livres para implantar suas políticas neoliberais, através do mecanismo conhecido como Consenso de Washington, que em resumo foi mais ou menos assim.

 

Consenso de Washington

O que Williamson queria dizer em seu texto, é que a rede onde circulavam as idéias e proposições ditadas pelo centro do poder – era o governo estadunidense, o FMI, o Congresso dos Estados Unidos além da rede de técnicos burocratas que estavam no comando e coordenavam a política econômica mundial, a partir dos EUA, e esse grupo fazia a gestão política da América Latina, ou seja, eram eles que governavam de fato a América Latina, através de suas redes de produção intelectual. E, hoje, aparentemente, de uma maneira hegemônica e integrada, essas redes de institutos e agências (FMI, BIRD, OMC, etc.) atuam em conjunto com as mesmas idéias.

É um fenômeno admirável. As principais burocracias econômicas do Tesouro estadunidense: o FAD, o FMI, o BID, o BIRD, a OMC e, até as Nações Unidas; além da academia que gira em torno de Washington, todos agem em rede receitando os mesmos remédios, afirmou Williamson!

Olho para todos os lados leio, sinto e percebo que todos estão pensando a mesma coisa, isto é, todos estão propondo a mesma coisa. Há uma forte convergência. E não foi sempre assim, nem sempre foi assim!

Então, essa foi à primeira coisa que Williamson percebeu: "em Washington todos estão pensando que na América Latina todo mundo tem de fazer à mesma coisa". Aliás, não só a América Latina, o Consenso de Washington diz respeito à visão estadunidense sobre a condução da política econômica, para os países periféricos no mundo inteiro, mas, obviamente, de forma muito mais direta para os países da América Latina que, naquele momento, eram os países mais endividados, e estavam situados embaixo da zona de hegemonia, da supremacia estadunidense. E essa constatação, ele chamou de Consenso de Washington. O consenso era esse conjunto de coisas. Congresso, burocracias, burocracias internacionais, aí há um acordo sobre o que?

Quais eram as idéias do acordo que ele percebia?

·         Um plano de ordem macroeconômica havia um acordo completo entre todas as agências econômicas, que todos os países periféricos deveriam, no momento, serem convencido a aplicar um programa em que lhes é requerido um rigoroso esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um programa de reformas administrativas, providenciarias e fiscais, e um corte violento no gasto público, principalmente na área social.

 

Esse era o primeiro pacote: estabilizar é necessário. E para estabilizar, é necessário uma política fiscal austera, com cortes, corte de salários dos funcionários públicos e congelamento de seus salários, demissões, flexibilização do mercado de funcionários públicos, corte das contribuições sociais, reforma da previdência social.

O que é que ele descobria no plano macroeconômico? Há um acordo entre todas essas agências com relação aos países periféricos, no sentido que todos deveriam buscar a estabilização monetária, porque a prioridade número 1 é a estabilização e a política fiscal tem que ser submetida à política monetária.

 

·         Segunda coisa que ele percebia, todos pensavam que esses países devem fazer políticas monetárias rigidíssimas, porque a prioridade número 1 é a estabilização e a política fiscal tem que ser submetida á política monetária.

 

A segunda ordem de propostas e reformas, que estava naquele "consenso", para usar a palavra de ordem deles, é de ordem microeconômica: é preciso desonerar fiscalmente o capital para que ele possa aumentar a sua competitividade no mercado internacional, desregulado e aberto.

Então, o único caminho para as pequenas empresas situadas nos países da periferia entrar nesse jogo seria o aumento de competitividade, o que passaria por desoneração fiscal, flexibilização dos mercados de trabalho, diminuição da carga social com os trabalhadores, diminuição dos salários.

 

·         Terceira coisa que o consenso propunha: nada disso será possível se não desmontar radicalmente, o modelo anterior que havia nesses países, um modelo perverso, que funcionou mal, só fez porcarias, que é o modelo de industrialização por substituição de importações.

 

E o Brasil e América Latina?

E o Brasil? Aqui, nossa independência não se seguiu a nenhuma revolução burguesa, que já direcionasse um projeto nacional (burguês) para o país. Nem tão pouco ocorreu qualquer tipo de “despotismo esclarecido” que operasse, ainda que “por cima”, as necessárias transformações sociais e econômicas capazes de modernizar o Brasil e fazê-lo contemporâneo do curso da história mundial país de desenvolvimento capitalista muito tardio, sempre fomos e continuamos a ser – apesar do tamanho do nosso território, dos nossos recursos naturais e da nossa população –, uma nação periférica no cenário mundial, adepto das potências do momento e em crise constante de identidade. As elites que permanentemente aqui hegemonizaram o poder – pois este até agora, jamais foi alcançado pelas classes populares – nunca implementaram um projeto que resultasse num país próspero e independente, mesmo dentro dos marcos do regime capitalista. Houve poucas tentativas neste sentido e se perderam muitas oportunidades históricas. Quem estuda a evolução econômica do Brasil percebe que problemas como crise cambial, inflação e dívida externa estão sempre presentes e entrelaçados. Tais problemas resultam de um regime capitalista deturpado e manco, submetido aos interesses externos. Além das contradições e das mazelas normais do capitalismo, ainda tivemos de suportar uma permanente interferência das potências hegemônicas e do capital monopolista internacional na estruturação de nossa vida política e econômica. Ao longo de nossa história inclusive na fase capitalista mais recente, temos transferido uma parcela considerável das riquezas aqui criadas para as potências imperialistas, pelos mecanismos da dívida externa, dos pagamentos de juros, das remessas de lucros, das trocas desvantajosas, etc. Grande parte do excedente econômico (mais-valia) aqui gerado vai para fora e, em termos relativos, somente uma parcela reduzida deste excedente é reaplicada no Brasil.

Como Rangel genialmente interpretou nossa histórica crise.

 

A evolução da economia e da sociedade brasileira tem seguido uma linha impecável, que procurei definir em meus trabalhos sabre "Dualidade Básica da Economia Brasileira" ---especialmente no livro com esse título, escrito por volta de 1953, não por certo, sem a colaboração de ilustres amigos do instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), notadamente nosso saudoso Alberto Guerreiro Ramos. Tratava-se da tese com a qual canhestramente me candidatava ao provisionamento como economista, a qual somente seria aceita e publicada cinco anos depois.

A "Dualidade", sem negar o papel da luta de classes em nossa sociedade, confere a essa luta um desdobramento diferente do que poderemos encontrar no Materialismo Histórico clássico, ligado aos nomes de Marx e Engels. Com efeito, em cada uma das etapas do desenvolvimento de nossa sociedade, esta é dirigida por uma coalizão, que associa em firme pacto de poder, duas classes; urna em posição hegemônica, e outra em posição subalterna.

Ora, na transição de uma "Dualidade" para outra, a classe governante subalterna, na anterior "Dualidade", emerge coma força hegemônica, enquanto a posição subalterna passa a ser ocupada par uma dissidência progressista da classe hegemônica do anterior pacto de poder.

Assim, ao se tornar o Brasil independente, a classe dos senhores de escravos – que fora a classe dirigente subalterna, sob a hegemonia do capital mercantil português – emergiria como a classe hegemônica nos quadros da “1ª Dualidade”, assumindo posição subalterna o nascente capital mercantil brasileiro, uma dissidência progressista do velho capital mercantil português.

Com a Abolição-República, emergiria como classe hegemônica, a única possível da "2ª Dualidade", o capital mercantil brasileiro, já amadurecido para isso, ao passo que o lugar antes ocupado pelos senhores de escravos passaria a ser ocupado pelo latifúndio feudal, não mais como força hegemônica, mas como sócio menor do novo pacto de poder.

Com a Revolução de 30-37 – e conseqüente formação da "3ª Dualidade", a posição hegemônica passaria ao latifúndio feudal – enquanto o nascente capitalismo industrial (uma dissidência progressista do velho capitalismo mercantil) emergiria como sócio menor do novo pacto de poder.

Com o advento do 4º Kondratiev, prepara-se, também, a implantação da "4ª Dualidade". Mais uma vez devemos esperar mudanças no pacto fundamental de poder, mas isso não quer dizer que a reforma agrária, tal coma a entendíamos nós, os revolucionários de 1935, nos quadros da anterior "Dualidade", seja iminente, agora.

No comando do novo pacto de poder deverá surgir o sócio menor do pacto anterior, vale dizer, o capitalismo industrial, deslocando da hegemonia o latifúndio feudal. Entrementes, o novo sócio menor deverá, mais urna vez, ser uma dissidência do latifúndio feudal, isto é, o anterior sócio hegemônico, mas, com toda probabilidade – e a julgar pelos fatos já constatados – A frente dessa dissidência não deve aparecer à propriedade rural familiar, mas um latifúndio capitalista, do mesmo modo corno o latifúndio escravista foi, com a Abolição-República, substituído pelo latifúndio feudal.

Devemos estar lembrados de que as forças mais conservadoras da sociedade – com a Igreja católica à frente – no processo revolucionário dos anos 30, tomaram posição contra a reforma agrária, tal como a entendia nós, os revolucionários da época. Que estivéssemos equivocados – do mesmo modo como estavam os revolucionários soviéticos contemporâneos, quando entendiam a fase “b” do 3° Kondratiev, como sinônimo de uma Crise Geral do Capitalismo, sem retorno possível – não deve haver dúvida. Mas isso não quer dizer que a reforma agrária iminente seja identificável com a que não pudemos fazer com a ANL, nos anos 30. Urna reforma agrária está, por certo, em pauta, ou em marcha, mas, nem será como a que não pudemos fazer em 30, nem como a que nos propõem agora os bispos - inclusive o papa.

Um capitalismo agrícola – em substituição ao latifúndio feudal – será uma mudança profundamente revolucionaria, fazendo-se sob a hegemonia do capitalismo industrial, já agora plenamente amadurecido.

RANGEL, Ignácio. As Crises Gerais.

 

Após a reeleição de George Bush, Lula foi protagonista, na reunião do Grupo do Rio, do anúncio da criação da Comunidade Sul-Americana de Nações (CSAN). Parece ter ficado explícito que a ALCA não é prioridade regional, mas é importante colocar que a ALCA não é também mais objetivo central da política externa estadunidense como era há 10 anos. Quer dizer, as duas coisas de certa forma se estruturam paralelamente. Nem é interesse dos países da América do Sul um acordo de livre comércio com os EUA hoje, nem os estadunidenses têm interesse num livre comércio explícito com o bloco da América do Sul.

Os estadunidenses sempre vão, evidentemente, procurar vantagens comerciais em quaisquer espaços frente a outros concorrentes, mas o objetivo central de estruturação de um bloco na América do Sul que possibilitasse aos estadunidenses acesso irrestrito aos recursos naturais da região deixou de ser prioridade dos Estados Unidos desde 1997. Porque até 1997 o continente americano tinha recursos suficientes para garantir sua hegemonia. E as descobertas de que o petróleo desse continente representa só 14% das reservas mundiais e que os EUA consomem de 25% a 30% do petróleo mundial levaram os estadunidenses a mudarem sua estratégia. E a ALCA deixou de ser prioridade como era, em face da incapacidade provedora de petróleo no continente americano aos Estados Unidos priorizam a Ásia Central.

Para o desenvolvimento brasileiro e sul-americano, defende Darc Costa (2003) a construção de um Mega-Estado na região. E segundo Darc, “o Brasil é imprescindível, e esse é um movimento que se observou na história dos Estados nacionais. Não é uma coisa do século XXI. Já aconteceu no final do século XIX. Dois Estados nacionais se construíram pela conjunção de pequenos Estados, como é o caso da Alemanha e da Itália. E esse é um processo que tem como objetivo construir capacidade competitiva em nível mundial.”

Para enfrentar os EUA, temos que estruturar um mercado de tal forma a ter escala suficiente para colocá-lo no comércio internacional, ai nosso mercado passa a ter significado. Com o avanço da tecnologia hoje, ou se estruturam mercados com grande capacidade de recursos e população ou não se terá condições de concorrer nas tecnologias de ponta, porque elas são tecnologias em escala intensiva. Para tanto os países pequenos ou se unem ou ficam na periferia. Foi essa leitura que levou à criação da União Européia. A União Européia é uma realidade em função da necessidade do mercado. Na interpretação de Darc Costa, a integração da América do Sul decorre necessariamente do espírito da época. E o espírito da época de hoje, não é a globalização, e sim a regionalização, muito diferentemente do que o establishment vem afirmando. E para se levar essa proposta adiante é preciso coragem, e de alguém que evidentemente tenha poder para construir esse processo. Na América do Sul só temos o Brasil com força suficiente para fazer isso.

Com a tradicional fragilidade dos governos da América do Sul em termos de dependência econômica, dependência cultural e ideológica, em relação aos Estados Unidos, parece-nos bastante complexa a tarefa de conciliar a integração com os interesses nacionais de cada país, uma vez que muitos países nós vêem como uma potência neo-imperialista.

Para construir um Mega-Estado, como foi colocado, só será possível se conseguirmos juntar os ideais de Darci Ribeiro (O Povo Brasileiro, Os Índios e a Civilização e O Processo Civilizatório), Câmara Cascudo (Tradição, Ciência do Povo e Geografia dos Mitos Brasileiros) entre tantos lutadores, que fizeram resistência, pregando a autonomia da América tais como; (Simón Bolívar San Martin, Artigas, Abreu e Lima, espalhados na Venezuela, Colômbia, Bolívia, Argentina, Emiliano Zapata e Pancho Villa, no México, Luis Carlos Prestes, no Brasil, Augusto Sandini, na Nicarágua, Ernesto “Che” Guevara, Argentina e Fidel Castro em Cuba).

Para além da questão ideológica, os meios de comunicação são estruturados ideologicamente. Então, para fazer com que as coisas avancem é necessário nós nos reconhecermos como nós próprios. Ou abandonarmos a visão do outro e ficarmos com nossa própria. Coisa que podemos fazer estruturando processos no imaginário político. Como ocorreu de modo tímido no governo Lula. A idéia de que o melhor do Brasil é o brasileiro.

Valorização da auto-estima é capaz de construir uma cultura que se projeta externamente. Recuperando a auto-estima do povo brasileiro e do povo da América do Sul, que é um povo glorioso. Nós somos o gênero humano posto aqui. Diferentemente deles que são partes do gênero humano, nós somos o próprio gênero. Precisamos recuperar isso: entender que nós somos o gênero. E é ao gênero que é dado estímulo, não às partes.

 

Portanto, essa é uma questão de tempo, porque a economia acaba prevalecendo sobre a política. E é isso que o governo brasileiro tem de peitar: que as coisas se resolvam como têm de ser resolvidas. Porque ninguém consegue mudar uma vida. A geografia é destino. Assim como a história é razão, a geografia é destino. O Chile está destinado a compor a América do Sul, porque geograficamente está na América do Sul, nunca vai se compor com a América do Norte. Não se discute.

O governo Lula caminha agora para o seu segundo mandato, com um crescimento médio do PIB (Produto Interno Bruto) em torno de 3,0%. É possível um crescimento econômico compatível com as dimensões e as necessidades do país, tendo em conta a atual política econômica?

Nós temos que olhar o Brasil pelo próximo meio século. E olhando o Brasil pelo próximo meio século não existe país com potencial para crescer tanto no mundo como ele. As pessoas falam na China, mas ela tem alguns problemas que nós não temos. Nós precisamos entender o seguinte: crescer pressupõe acrescentar e envolver para dar à população usufruto da capacidade. Então, nós temos que desenvolver o país. Crescer 3,5% não quer dizer muita coisa porque nós muitas vezes esquecemos o denominador da fração: considerar as pessoas. O relevante no processo é que as pessoas cresçam. Para mim, esse deve ser o objetivo do governo: fazer com que as pessoas evoluam, cresçam, tenham capacidade de se sentirem melhor. E isso depende da renda, evidentemente. É preciso distribuir renda e é preciso crescer.

A propósito, o Brasil cresceu 7% durante 50 anos e o Banco Central apareceu nos últimos 16 anos. E ele tinha uma função clássica, porque o que eles chamam hoje de BC nada mais é do que o computador da moeda. Mas a idéia de um Banco Central surge num informe que Hamilton faz ao Congresso estadunidense em 1791. Onde não é exclusivamente função de controle da moeda, mas, principalmente, do controle da expansão do crédito. Porque capitalismo não é feito de sonho, mas de crédito. Se o Banco Central não dá crédito não há capitalismo que avance. Quer dizer, se quisermos que o país cresça devemos dar crédito. E crédito pressupõe instruir o Banco Central a cumprir as suas funções, muito além da moeda.

E se continuar com essa política o Brasil fica subordinado ao Banco Central; coisa inacreditável, porque, na verdade, o BC existe para servir o Estado-nacional e não para se servir do Estado-nacional.

 

 * Texto produzido como exigência para conclusão e avaliação da disciplina Geografia do Brasil, ofertada no 1º semestre de 2006, no módulo do professor Paulo de Tarso, no programa de pós-graduação em Geografia da UFSC. Publicado nos anais do 3º Congresso Curitibano de Geografia, Curitiba: 2007, Letra das Artes, p. 01-23.

 

 

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