Globalização, tecnologia, neoliberalismo e poder         

 

Vivemos nesse final de século alterações geopolíticas que refletem as rápidas e imprevisíveis transformações da última década, que configuram uma crise tanto da sociedade e seu espaço, quanto das teorias que tentam compreender e explicar a globalização, cuja feição ainda não se encontra completamente definida.

Falam-se em novos paradigmas que envolvem a complexidade, o caos e a incerteza mas , saindo para além das controvérsias de ordem teórica, nosso objetivo neste texto, bem mais modesto, é o de mostrar como as novas tecnologias e a globalização influenciam na "Nova reterritorialização do Paraná", dentro da lógica neoliberal de interferência global, e denunciar essa subordinação e integração a esse modelo de Estado. Nesse campo de incertezas e de contradições, iremos espacializar e identificar os espaços marginais e / ou de resistências a integração e a flexibilização, promovido pelas redes técnico-científicas informacionais globalizantes.

            Palavras-chave: território; globalização; neoliberalismo; geopolítica; tecnologia; virtual; Estado; estética; arte

 

Tecnologias da inteligência

                    Quase sinônimos, tecnologia e globalização marcam os destinos da economia contemporânea. O curioso, entretanto, é que a guerra de padrões tecnológicos ainda está acontecendo. Se o horizonte da globalização é a sociedade de massas, a massificação de algumas das mais importantes tecnologias ainda é uma miragem.

                    Quanto mais se desenvolverem os processos de inteligência coletiva — o que evidentemente pressupõe um novo questionamento de numerosos poderes —, tão mais amplamente as mudanças técnicas serão absorvidas pelos indivíduos e pelos grupos e tão menores serão os efeitos segregadores ou destrutivos do movimento tecno-social. Ora, o espaço cibernético, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-se justamente como um dos instrumentos privilegiados da inteligência coletiva.

                    É por seu intermédio que, por exemplo, os organismos de formação profissional ou de ensino à distância desenvolvem sistemas de aprendizagem cooperativa em rede. Grandes empresas adotam dispositivos informatizados de apoio à colaboração e à coordenação descentralizadas (os "groupwares"). Pesquisadores e estudantes do mundo inteiro trocam idéias, artigos e imagens em conferências eletrônicas organizadas em torno a núcleos de interesse comum.

                    Profissionais de informática de todo o mundo ajudam-se mutuamente na solução de problemas de programação. O especialista em certo ramo tecnológico ajuda um noviço, ao mesmo tempo em que outro especialista o inicia em um outro ramo.

            "Se começarmos por voltar nossa atenção para sua significação humana, teremos a impressão de que o digital — fluído, em constante mutação — é desprovido de essência estável. Mas justamente a rapidez da transformação é o dado constante e paradoxal da cultura cibernética. Ela explica em parte a sensação de impacto, de exterioridade, de estranheza que nos acomete quando tentamos apreender o movimento contemporâneo das técnicas."[1]

                    Existe crescente consciência, em âmbito mundial, quanto à impotência da sociedade diante da magnitude e da natureza dos confrontos políticos, étnicos e ideológicos, e crescente sentimento de descrença em relação à eficácia do marco institucional vigente para encaminhar alternativa adequadas. Na verdade, a globalização é um novo processo histórico, diante do qual tornam-se em grande parte inoperantes tanto as instituições sócio-políticas e econômicas atuais, quanto as referências teórico-ideológicas disponíveis, notadamente as desenvolvidas nos últimos séculos, e que caracterizam a modernidade.

                    Assim, a mais premente questão consiste, portanto, na caracterização dos aspectos que diferenciam esse novo processo do mais que secular processo de construção dos Estados nacionais e da concomitante consolidação do expansionismo e da internacionalização do capitalismo.

                    Evidentemente, a globalização decorreu da internacionalização do capitalismo, que, por sua vez, deu continuidade ao período medieval, que, por sua vez, foi antecedido pela antigüidade clássica. Do mesmo modo, poder-se-ia supor, equivocadamente, que uma nova etapa histórica estaria atualmente se delineando, "naturalmente".

                    Tal enquadramento ocultaria, justamente, as rupturas, vale dizer, as mudanças qualitativas em curso. Vamos ao entendimento resumido desse processo de transformação. A difusão mundial da cadeia produtiva capitalista — consolidada especialmente pelas multinacionais após a Segunda Guerra — e o acelerado ritmo das inovações derivadas da terceira revolução tecnológica, baseada na microeletrônica, nos novos materiais e na telemática tornaram expressivamente e, até certo ponto obsoleto, o arcabouço político e institucional ainda vigente, baseado no Estado nacional, partidos políticos etc.

            "Tudo aquilo que os modelos procuram modelar é sempre um sistema de poder, mas, se a eficácia do sistema se mede pela sua invulnerabilidade e capacidade de durar, o modelo se torna uma espécie de fortaleza cujas muralhas espessas ocultam aquilo que está fora"[2]

                    Mas alguns céticos, embora com o devido respeito, completam que realizam o futuro somente os que com ele sonham e o planejam com inteligência e coragem.

                    Dos tratados de desarmamento internacional à globalização da economia; da educação e dos índices sociais aos desafios de se fazer ciência e promover progresso no país; da estabilidade monetária aos riscos de desindustrialização, passando pelas privatizações (às vezes vistas como reestatizações em proveito de outros países) e pelas urgências amazônicas; das parcerias potencialmente estratégicas com africanos, indianos e chineses à iminência de dotar o Japão de um subsolo que lhe falta, com a privatização da Companhia Vale do Rio Doce – assim, dezenas de assuntos vitais foram examinados por centenas de especialistas. Freqüentemente eles estavam em desacordo, mas coincidiam no interesse em esquadrinhar o presente para imaginar ou desenhar o futuro.

                    O Plano Real representou uma outra solução a um problema real: a inflação. A modalidade de estabilização monetária que o plano produziu permitiu que os lucros dos bancos fossem preservados —os que entraram em crise tinham problemas graves de administração há muito, os outros seguem exibindo sem pudor seus lucros milionário —, à custa da falência das finanças públicas, exatamente por parte daqueles que diziam que iam saneá-las. À custa, também, do esfacelamento da indústria nacional-estatal, que deveria ser tornada pública e não sucateada no mercado, e privada, do da economia formal e do debilitamento da classe média.

                    Assim, parece que ''ninguém perdeu, e o país ganhou'', como num passe de mágica. Esse é o efeito ideológico do transformismo, dos pactos de elite que a história brasileira. No caso do Plano Real, perde a possibilidade de um projeto nacional que permitisse ao Brasil uma inserção soberana não-subordinada na nova divisão internacional do trabalho. Perde a sociedade civil, enfraquecida porque os movimentos sociais organizados são o principal objeto da sanha do governo —dos sem-terra aos sindicatos, dos movimentos indígenas aos movimentos pelos direitos humanos. Perde a democracia, esvaziada por um presidente que governa por medidas provisórias, compra os votos de congressistas, estimula a infidelidade partidária, se promove com recursos milionários cuja fonte não se preocupa em revelar, ao mesmo tempo que deseja saber como os sem-terra conseguem organizar uma marcha pacífica de milhares de quilômetros a Brasília na luta pela democratização da terra.

                    Uma empresa nacional afirma em recente propaganda pelo rádio que ''alguém'' disse que ''é preciso mudar para se manter sempre igual''. Esse alguém é o personagem central de Tommaso de Lampedusa, em ''Il Gattopardo'', cujo original é: ''É preciso que tudo mude, para que tudo siga igual''. Ou se preferir a versão francesa: ''Plus ça change, plus c'est même chose''. Muda o estilo, como disse Skidmore. Tal qual o último monarca, o mandatário é gente fina, o país é que segue terrível. Fala-se da reforma do Estado para não fazer a reforma da sociedade. Essa é a substância do pensamento conservador, na sua versão ''gattopardista'' atual, no transformismo pelo qual FHC passará à história. As elites governantes agradecem, com seu ''uh-tererê'' e os votos para o continuísmo.

 

Espaço e tempo, solidez e fluência, extensão e movimento

                    A monumentalidade tem sido usada desde a Antiguidade por regimes políticos de diversas ideologias para expressar poder e prestígio na forma urbana e arquitetônica das cidades. A construção e/ou reconstrução de cidades capitais têm revelado que mesmo sistemas políticos motivados por ideologias diferentes (democracia, fascismo, nazismo, comunismo etc.) têm utilizado formas arquitetônicas monumentais para celebrar o poder, tais como o absolutismo real de Versalhes, o império colonial britânico em Nova Déli, o império de Napoleão 3º na França, a Revolução de 1917 em Moscou, a glória e supremacia do 3º Reich, a celebração do império de Augustus na Roma de Mussolini, a "vitória do socialismo" na Bucareste de Ceausescu ou as democracias capitalistas de Washington D.C. e Brasília.

                    As capitais são o foco de rituais políticos e exibem desenho urbano, espaços e edifícios grandiosos para impressionar as massas e simbolizar o poder de seus líderes. Em regimes autocráticos, a celebração de uma nova ordem política, a busca de grandiosidade, o culto da personalidade e o desejo pessoal de seus líderes são determinantes na intervenção radical na estrutura urbana existente na cidade, que resulta na destruição planejada de períodos de história urbana e arquitetônica indesejáveis e conflitantes com a ideologia vigente de poder do Estado.

                    Na célebre introdução ao "Dezoito Brumário de Luís Bonaparte", Marx, atento leitor da teoria hegeliana, explora o viso estético da política. A pintura nos sugere os primeiros subentendidos. Moderna, ela não se prende, no sistema proposto por Hegel, à sua forma romântica, ainda que dela se afaste apenas em esboços ou tentativas. Na "Estética", as artes singulares distinguem-se de modo lábil, com fronteiras móveis, devidas à continuidade de seus desenvolvimentos: embora hierarquizadas, as produções artísticas não se manifestam em nítidas categorias e, com seus flacos permeáveis, deslizam umas nas outras.

                    Arquitetura e escultura inauguram a escala evolutiva das artes: a elas, tolhidas pela matéria pesada e morta, pertencem as massas inertes, os volumes quietos, as formas serenas, pouco abertas às incursões do espírito. A pintura encontra-se na fronteira: sobre a delgada e restrita lâmina em que se converteu o espaço, no limiar do tempo, ela já expressa, de modo mais completo, os meneios do corpo, o esvoaçar da alma, as potências da razão. Jogo de luzes, sortilégio das cores, milagres da perspectiva regeneram, no plano severamente contraído, os tesouros do mundo. Plena força expressiva, a pintura já se lança no rumo culminante da poesia, colhendo o tempo no mágico momento em que passado e futuro se encontram.

                    Deixando as artes plásticas, à contração espácio-temporal segue-se um processo expansivo. No meio, entre pintura e poesia, a música traz um tanto de cada lado que a limita. De uma parte, ela suprime o espaço, diluindo-o no som, aproximando-o do fluxo temporal e remetendo-o, quase imperceptível, à poesia, que o reduzirá a simples signo. De outra parte, o som, expressando-se como puro movimento, já permite maior controle do tempo, excessivamente minucioso e modulado, mas ainda evanescente, incapaz de afirmar, no exterior, a riqueza espiritual. Por fim, a poesia, no cimo da escala, com seu leve e flexível tecido literário, dócil ao espírito, abrange o espaço por completo e capta o tempo em sua plenitude.

                    Ampliando uma longa tradição, Hegel faz da poesia o lugar da práxis — movimento e repouso — e também nela desvenda um saber teórico — especulativo e sensível — sob a égide das potências racionais. Tais instâncias recriam e objetivam, no ideal, um organismo individualizado, cambiante, vário, diferenciado e, simultaneamente, contraditório, uno, coeso, coerente, pacificado. A poesia reúne em si, em grau mais elevado, os dois extremos das artes figurativas e da música, carregando, simultaneamente, a superfície transfigurada e a duração sonora. Na dialética entre os dois lados — espaço e tempo, solidez e fluência, extensão e movimento —, ela consegue expor, de modo completo, todos os eventos, o curso das ações, as alternâncias e quietude da alma, as representações e conteúdos do espírito. No poeta realiza-se a rara síntese de fantasia e intelecto, imagem e conceito, poesia e verdade.

                    Arte da palavra, tênue película mais firme que o som evanescente, demarcando de modo estável os significados espirituais, operando com o traço verbal que abre a passagem para o sensível, a poesia, como toda obra de arte, fica entre a sensibilidade imediata e o intelecto: nesse sentido, não é ainda puro pensamento, não é mais simples existência empírica. Ela produz, "intencionalmente, do ponto de vista sensível, só um mundo se sombras, formas, tonalidades, visões", fantasmas que, para além de sua imediatez, como produtos da imaginação, visam satisfazer interesses espirituais e atingir o íntimo da consciência. Nessa área — nem empírica, nem ideal — nessa duração — nem finita, nem eterna —, "o sensível é espiritualizado na arte e o espiritual é nela sensibilizado"[3]

 

Paraná uma nova territorialização do espaço e poder

                    Os governos Lupion e Munhoz da Rocha Netto visaram construir um Paraná único a partir da imigração, garantindo a sua ocupação espacial e posteriormente um complexo viário que rumasse a Curitiba, onde o Centro Cívico funcionasse como referência de governo, mas fundamentalmente de identidade para o povo paranaense que se queria modelar a partir dos valores de progresso pelo trabalho e ordem pelo patriotismo.

                    Os Governos Pimentel e Braga (primeiro Governo), vivendo o auge do Regime Militar e do "milagre brasileiro", pensaram o Paraná a partir da necessidade da industrialização. Investiriam e incentivaram a formação de diversos parques industriais em diversos municípios e em todas as regiões do Estado.

                    O Governo Canet e Braga (segundo Governo) promoveram o reforço da estrutura estatal particularmente no setor financeiro e serviços públicos para o Paraná, que acreditavam desenvolvido. Tratava-se apenas de dar suporte ao crescimento econômico que parecia inercial.

                    Os Governos do PMDB (Richa, Dias e Requião), mergulhado na crise econômica dos anos 1980, propunha-se a construir um novo modelo de desenvolvimento baseado no crescimento do capital nacional e com forte aporte dos investimentos estatais. Imaginavam-se acima dos problemas sociais e, portanto, caberia às políticas governamentais encontrar em seus gabinetes as soluções de todo tipo.

 

A nova "territorialização" do Paraná

                    O Governo Lerner implementa uma nova mudança. O Paraná não é mais visto como um único espaço ou território, mas como regiões com vocações particulares e distintas dentro do processo de globalização. Lerner e seu grupo político, partidário da dinâmica da globalização da economia, está investindo pesado numa nova espacialização do Estado visando um integração rápida nas mudanças do Mercado Nacional e Internacional.

Região 1: Região Metropolitana de Curitiba:

                    Busca vender uma imagem de povo "culto", de cidade funcional e de mão-de-obra qualificada para atrair setores dinâmicos da economia brasileira e internacional. Está localizada numa posição geográfica privilegiada, entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina e o Sudeste, situando-se ainda no centro do principal potencial econômico do MERCOSUL. Possui uma boa ligação rodoviário e portuária e boas condições de infra-estrutura urbana. Dificilmente se transformará num pólo financeiro ou de produção tecnológica, mas na produção de produtos de utilização intensiva de mão-de-obra e de maior valor de troca. Os setores preferidos são os de alta tecnologia (portanto de produção de componentes e não apenas de montagem de produtos). Esta região tem potencial para se expandir até Paranaguá e Ponta Grossa.

Região 2: Eixo Maringá/Londrina:

                    Voltando-se para a agroindústria e indústria mecânica, indústrias leves — Couro, móveis, e têxtil — e possivelmente de montagem de produtos eletrônicos e similares. O Potencial populacional da região; com um poder aquisitivo razoável, permite o desenvolvimento de um forte núcleo de serviços, comercio e micro-empresas.

Região 3: A Costa Oeste:

                    A região do Foz do Iguaçu deve desenvolver a atividade turística, neste sentido, o Governo Lerner procura diversificar o potencial de atração —hoje restrito às Cataratas, reuniões científicas e empresariais, e as compras no Paraguai — para aberturas de novas áreas de turismo (como a pesca e parques), novas atividades, como jogos, festivais e provavelmente o estabelecimento de cassinos e uma zona franca.

Região 4: Costa Leste:

                    Vem estimulando o turismo através da melhoria da infra-estrutura das praias do Paraná. A grande incógnita esta no Porto de Paranaguá, em cuja operacionalização Lerner ainda não investiu de maneira decisiva, talvez em função dos revezes políticos sofridos por seu grupo no município de Paranaguá.

                    As demais regiões do Estado estão seguindo o seu caminho independente sem um apoio decisivo do governo. São as regiões que "saem perdendo".

Região 5: Região do Norte do Paraná: (excluído o eixo Maringá/Londrina)

                    De forma geral, tem-se caminhado levando-se em conta perspectivas locais como áreas de latifúndio ou minifúndio. O comércio tende a se refletir em maior ou menor intensidade em função da proporção do tamanho das propriedade rurais e da densidade populacional. O setor público mantém um grande número de assalariados, que, em algumas pequenas cidades, praticamente sustentam a economia local. Outras regiões, como o Norte Pioneiro têm perdido população.

Região 6: Regiões Oeste/Sudoeste do Estado:

                    Com uma economia de pequenas indústrias e pólo comercial regional em algumas grandes cidades, esta região assenta a produção a partir da agropecuária intensiva — seja nos latifúndios ou nos minifúndios. Nos minifúndios, esta forma de produção foi possível graças à terceirização rural, promovida pela indústrias do frango de Santa Catarina ou do fumo do Rio Grande do Sul. Esta forma de produzir tem deslocado a poupança regional para SC ou RS, com a falência das cooperativas e grandes agroindústrias locais.

Região 7: O centro e o Sul do Paraná:

                    Situação similar à região Oeste/Sudoeste, mas com pouco investimento da terceirização rural, com o agravante de que a bacia leiteira vem sofrendo um forte impacto da concorrência dos produtos argentinos, uruguaios e gaúchos.

                    Nas regiões cinco e sete seriam necessários investimentos estatais para reconversão econômica, como requalificação da mão-de-obra e a formação de mecanismo captadores e retentores de capital. Mas o Governo Lerner não possui nenhuma política para isto. A região seis está efetivamente se integrando à região econômica do Oeste de SC e Norte do RS, o que estimulará ainda mais — e agora com razão econômica — a formação do Estado do Iguaçu.

            "Para o indivíduo cujo trabalho é subitamente modificado; para uma dada profissão (tipógrafo, bancário, piloto) bruscamente atingida pela revolução tecnológica, que torna obsoleto o savoir-faire tradicional e ameaça a própria permanência da profissão; para as classes sociais ou para as regiões do mundo que não tomam parte na efervescência de concepção, produção ou apropriação lúdica das novas ferramentas digitais — para todos estes, a revolução técnica manifesta-se como um "outro" ameaçador. A bem dizer, nenhum de nós deixa de se encontrar mais ou menos nesse estado de despossessão.

            A aceleração é tão forte e tão generalizada que mesmo os mais ‘plugados’ são, em graus variáveis, ultrapassados pela mudança, uma vez que ninguém pode tomar parte ativa nas transformações do conjunto das especializações técnicas — aliás, nem mesmo segui-las de perto. Aquilo que em geral se classifica grosseiramente sob a denominação de 'novas tecnologias’ encobre, na verdade, a atividade multiforme de grupos humanos, um devir coletivo complexo que se cristaliza de modo mais conspícuo em torno a objetos materiais, de programas informáticos e de dispositivos de comunicação. É o processo social em toda a sua opacidade, é a atividade dos outros que aparece sob a máscara estranha e inumana da técnica’[4]

                    A variante neoliberal no Brasil (assim como na América Latina) consiste em algo diferente dos modelos japonês, europeu e estadunidense. Nos EUA, o próprio Estado do Bem-estar contava com uma grande rede de empresas privadas, que complementavam os serviços públicos. No Japão, o grosso de atendimento da população quanto aos bens sociais sempre foi feito por empresas privadas. Em ambos os países, constitui-se uma tradição um conjunto de empresas privadas atender o público dos bens sociais no varejo. Na Europa, com exceção da Inglaterra,— que desenvolveu um modelo semelhante ao dos Estados Unidos — a Alemanha e a Itália apostaram nos serviços cooperativos, e no restante da Europa, que constitui seu modelo no Estado do Bem-estar a partir da ação da social democracia, os bens sociais foram desmercantilizado com uma forte oferta pública e praticamente inexistindo empresas de atuação no setor de varejos.

                    O Brasil, está compondo o seu projeto neoliberal, no governo Fernando Henrique Cardoso, num sentido ainda de construção de centro dinâmico para a economia brasileira, só que agora num contexto de globalização — parece que FHC não abandonou a sua perspectiva de "autonomia na dependência", o que implica a criação de um sistema de financiamento interno que estimularia um conjunto de atividades econômicas voltadas para o varejo e o estímulo à competência de algumas áreas no plano internacional. Os bens sociais no Brasil, mesmo quando oferecidos pelo Estado, estão em estreita parceria com a iniciativa privada — os fornecedores são na grande maioria privados (de livros didáticos a remédios) e já ocupam os maiores filões de renda (tanto escolas privadas como hospitais privados).

                    Lerner constrói uma variante distinta de FHC: o da competência dentro da globalização. A diferença fundamental entre FHC está no seguinte:

"as muralhas espessas ocultam aquilo que está fora"

                    FHC visa ainda a construção de um projeto nacional necessário para a manutenção da articulação de seu sistema de hegemonia, que lhe permite manter em seu bloco as oligarquias regionais e recompor os mecanismos

                    Lerner tem por meta estabelecer a nova reterritorialização do Paraná voltada para a globalização e constituir é viabilizar a entrada da iniciativa privada em todos os ramos da economia em particular naqueles mais dinâmicos da economia mundial; e na expansão dos serviços de varejo, em particular dos bens sociais hoje sobre controle do Estado.

                    O Governo Lerner tem efetivamente implementado um novo paradigma de Estado, que pode ser analisado a partir do seguinte modelo explicativo: ideológicos de dominação.

                    Fase 1: Os serviços públicos estão sendo sucateadas através de cortes sistemáticos de recursos e desmotivação e desqualificação do funcionalismo, geralmente por gestões burocráticas e pela perda do poder aquisitivo dos seus salários. Esta política foi implementada desde de o Governo Álvaro Dias.

                    Fase 2: Diante da crise gestada pela própria administração pública, o Governo Lerner executa três ações políticas:

                    Fase 3: Transferência total para a iniciativa privada dos serviços de varejo do Estado.

                    No plano econômico o paradigma de Lerner também se altera em relação aos governos passados. Os governos do PMDB, bem ou mal, se orientavam por uma política intervencionista, que propunha um visão global de Estado e um modelo de desenvolvimento que desse suporte a diversidade econômica das diversas regiões como o apoio direto aos diferentes segmentos de renda. O governo Lerner propõe que o estímulo estatal se volte para o setores definidos e determinados pelo mercado. Ou seja, o centro orientador dos investimentos estatais não são mais definidos pelo planejamento de conjunto do Estado e nem pela capacidade política das lideranças regionais, mas pelas determinações do mercado globalizado e nacional em vias de globalização.

Referências

  1. BAUDRILLARD, Jean. Tela Total (mito-ironias da era do virtual e da imagem), Sulina, Porto Alegre, 1997

  2. BENKO, Georges. Economia Espaço e Globalização (na aurora do século XXI), HUCITEC, São Paulo, 1996

  3. CARVALHO FRANCO, Maria Sylvia. Ordem e Progresso. Folha de São Paulo, 15/06/97, Caderno Mais!, São Paulo

  4. CHESNEAUX, Jean. Modernidade-Mundo, 2ª ed., Vozes, Petrópolis, 1996

  5. CHOMSKY, Noam. Novas e velhas ordens mundiais. Scritta, São Paulo, 1996

  6. ----------. A Minoria Próspera e a Multidão Inquieta. 2ª ed., UnB, Brasília, 1997

  7. ----------. O que o Tio Sam realmente quer. UnB, Brasília, 1996

  8. CORDIOLLI, Marcos Antônio. A Reestruturação Produtiva. inédito, mimeografado

  9. ---------. Uma nova territorialização no Paraná. inédito, mimeografado

  10. CROCETTI, Zeno Soares. Nacionalismo Étnico no Final do Século. Revista Paranaense de Geografia, Nº 01, pp. 56-73, AGB-Curitiba, Curitiba, 1996

  11. ----------. Global Issues of our Time; Urbanisation in Brazil, pp. 52-60, Cambridge University Press, Melbourne, 1995

  12. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. UNESP, São Paulo, 1991

  13. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. Loyola, São Paulo, 1992

  14. IANNI, Octavio. A era do Globalismo. 2ª ed., Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1997

  15. KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna (novas teorias sobre o mundo contemporâneo). Zahar, Rio de Janeiro, 1997

  16. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência (o futuro do pensamento na era da informática), 34, Rio de Janeiro, 1993
  17. NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. Cia das Letras, São Paulo, 1995

  18. ROJAS, Enrique. O Homem moderno (a luta contra o vazio), Mandarim, São Paulo, 1996

  19. SADER, Emir, O transformista FHC. Folha de S.Paulo, Seção: Tendências/Debates, São Paulo, 09/04/97

  20. ----------, O Poder, cadê o poder? Boitempo, São Paulo, 1997

  21. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. HUCITEC, São Paulo, 1996

  22. SARLO, Beatriz. Cenas da Vida Pós-Moderna (intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina), UFRJ, Rio de Janeiro, 1997

  23. SCHAFF, Adam. A sociedade informática. 5ª reimp. UNESP, São Paulo, 1996

  24. VIRILIO, Paul. A Arte do Motor. Estação Liberdade, São Paulo, 1996

  25. ----------. Velocidade e Política. Estação Liberdade, São Paulo, 1996


Notas:

[1] Pierre Lévy, in: "As Tecnologias da Inteligência",  34 - voltar

[2]  Italo Calvino in: Palomar - voltar

[3]  Hegel, in: "Lições sobre a estética" (abreviada "L. E."), in: "Werke in Zwanzig Bänden", F. A. M. Suhrkamp, 1976, tomo 13, volume 1, pág. 6. Demais citações de Hegel são da mesma edição - voltar

[4] Pierre Lévy, in: " As Tecnologias da Inteligência", 34 - voltar


* Geógrafo, professor na UNIBEM. - voltar

Referência: CROCETTI, Zeno Soares. Globalização, tecnologia, neoliberalismo e poder. Revista Paranaense de Geografia, Nº 2, Curitiba, pp. 31-39, 1997

© Associação dos Geógrafos Brasileiros - seção Curitiba


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