Há vida inteligente na Geografia?*

 

 

 

 

 

Zeno Soares Crocetti**

UNIBEM

 

 

 

 

 

Eu posso falar? Quero dizer, falar mesmo!

Vivemos hoje um processo de mudanças significativas nas relações sociais e políticas na sociedade brasileira... E a Geografia?

 

 

MUDANÇA JÁ... OU JAZ...

        A conseqüência da possibilidade das mudanças, da transformação, pode ser atingida através do conhecimento da historicidade da sociedade.  E a Geografia, se despojada de sua deformação de ciências que se limita a descrever pontos geográficos, rios e picos, poderiam se transformar num poderoso instrumento de conhecimento do Espaço como produção humana, seja o espaço natural apropriado e transformado pela ação ordenada ou desordenada, produtiva ou predativa, produtiva ou destrutiva, dos interesses que determinam a sua ocupação.  o estudo da Geografia deve mostrar que o espaço incorporado a realidade humana se humaniza pelo trabalho humano e o trabalho não pode ser apossado por poucos que consomem o fruto do trabalho junto com a vida do trabalhador.  Deve também revelar a historicidade do espaço, sua realidade concreta como fruto da interferência antrópica e os interesses que cercam as ações dos homens.

 

UNIVERSIDADE, FÁBRICA DE CORPOS DÓCEIS

 

        “O fato de que atualmente, no Brasil, as universidades tenham tomado a forma de pequenos guetos auto-referidos, internamente fracionados por divisões políticas e desavenças pessoais (...), é um sinal dos tempos.  Creio que as universidades tem hoje um papel que alguns não querem desempenhar, mas que é determinante para a existência da própria universidade: criar incompetentes sociais e políticos, realizar com a cultura o que a empresa realiza com a cultura o que a empresa realiza com o trabalho, isto é, parcelar, fragmentar, limitar o conhecimento e impedir o pensamento, de um modo a bloquear toda tentativa concreta de precisão, controle de participação, tanto no plano da produção material quanto no da produção intelectual (...)  Em lugar de criar elites dirigentes, está destinada a adestrar mão-de-obra dócil para um mercado sempre incerto”1.

 

FÁBRICA OU CENTRO CULTURAL?

 

        O retrato da universidade se aplica ao curso de Geografia da UFPR, que segue a regra do Taylorismo: fragmentação do currículo, que não é casual ou irracional, mas deliberada, pois obedece ao princípio da empresa cartesiana moderna: separar para controlar... Significa também que a fragmentação do ensino da pesquisa e do corolário de uma fragmentação imposta à cultura e ao trabalho pedagógico pelas idéias de especialização e de competência, e, finalizando, a imposição deliberada de uma vida acadêmica fragmentada, fundada na radical separação do curso por semestre, e de sua diluição pelos vários campus da UFPR.

 

PENSAR OU GANHAR PRONTO, EIS A QUESTÃO?...

 

        “Não somos produtos de culturas somente porque somos economicamente ‘dependentes’, ou porque não dispomos de verbas suficientes para transmitir conhecimentos”2.  O curso está montando com a função de: dar a conhecer para que não se possa pensar, adquirir e produzir para não criara.  Consumir em lugar de realizar o trabalho da reflexão.

 

MUDO, MUDE O MUNDO...

 

        Uma das formas fundamentais do exercício da dominação é roubar de um sujeito o seu direito à palavra, o direito de pensar em voz alta, quando se rouba de alguém o direito à palavra, esse roubo de um grupo ou classe social não é casual, ele é um exercício de dominação. Então é muito importante que se fale, essa é uma tarefa política muito importante.

       Geógrafos da UFPR uni-vos e falai-vos...

 

1 e 2 Marilena de Souza Chauí - (excertos com adaptação, de Cadernos de debate nº. 8, Editora Brasiliense, São Paulo-SP, 1980.)

 

* Publicado no Jornal Pretexto, Curso de letras da UFPR, nº. 1, ano 1, Curitiba, outubro de 1988, p.3.

** Professor de geografia na UNIBEM

 

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